16/01/2023
O cemitério de Jorge Amado
Tenho horror a hospitais, os frios corredores, as salas de espera, ante-salas da morte, mais
ainda a cemitérios onde as flores perdem o viço, não há flor bonita em campo
santo. Possuo, no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei
há alguns anos, quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele enterro aqueles
que matei, ou seja, aqueles que para mim deixaram de existir, morreram: os que
um dia tiveram a minha estima e perderam. Quando um tipo vai além de todas as
medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou
furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na
vala comum de meu cemitério – nele não existe jazigo de família, túmulos
individuais, os mortos jazem em cova rasa, na promiscuidade da salafrarice, do
mau caráter. Para mim o fulano morreu, foi enterrado, faça o que faça, já não
pode me magoar. Raros enterros – ainda bem! – de um pérfido, de um perjuro, de
um desleal, de alguém que faltou à amizade, traiu o amor, foi por demais
interesseiro, falso, hipócrita, arrogante – a impostura e a presunção me ofendem
fácil. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de
saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outros varri
da memória, retirei da vida. Encontro na rua um desses fantasmas, paro a
conversar, escuto, correspondo às frases, às saudações, aos elogios, aceito o
abraço, o beijo fraterno de Judas. Sigo adiante, o tipo pensa que mais uma vez
me enganou, mal sabe ele que está morto e enterrado.
Jorge Amado
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É de jeito, quando o sujeito não nos faz bem, é bom que esteja morto, pois os mortos não nos causam mais mal.
ResponderExcluir👍🏽
ExcluirBelo,mui belo
ResponderExcluirObrigado!
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