30/05/2023

O cordão

A dependência emocional do filho não é, necessariamente, questão de culpa por parte da criança ou dos pais, mas um processo complexo que pode ser influenciado por diversos fatores, como questões individuais, experiências passadas e dinâmicas familiares. O conceito de "mãe suficientemente boa", criado pelo psicanalista britânico Donald Winnicott, defende que a mãe precisa atender às necessidades básicas do bebê, de forma adequada, permitindo o desenvolvimento saudável da criança.
No vídeo de animação “O cordão”, podemos constatar a dependência excessiva de uma criança adulta, pela falta do corte simbólico, que é uma ação psicológica que envolve a separação emocional e psicológica do indivíduo, não apenas da mãe, mas também de figuras parentais ou cuidadores.
O corte saudável do cordão umbilical é um conceito metafórico usado para descrever a conduta por meio da qual a mãe permite que seu filho se torne independente emocionalmente. Isso envolve proporcionar um ambiente seguro e facilitador, para que a criança possa explorar o mundo, desenvolver sua individualidade e tornar-se uma pessoa autônoma. À medida em que a criança cresce, a mãe suficientemente boa permite que ela assuma responsabilidades progressivamente maiores, tome decisões por si mesma e enfrente desafios sem superproteção ou interferência excessiva.
Ao promover o corte saudável do cordão, a mãe suficientemente boa permite que o filho desenvolva habilidades de resolução de problemas, autoconfiança, autonomia e resiliência emocional. Isso significa que a criança não se tornará excessivamente dependente da mãe ou de outras figuras de autoridade, nem carregará medos ou traumas profundos devido à falta de oportunidades para enfrentar desafios e aprender com as próprias experiências.
É importante ressaltar que o conceito de mãe suficientemente boa não se refere à perfeição, mas à capacidade de atender às necessidades básicas da criança de forma consistente e amorosa. Os pais também desempenham papel essencial nesse processo, contribuindo para o desenvolvimento saudável da criança, ao proporcionar um ambiente seguro e facilitador, com presença emocionalmente estável e disponível.

Germano Barbosa

29/05/2023

Parente tóxico contamina o ambiente familiar e põe em risco a saúde mental


Lidar com parente tóxico é extremamente desafiador e desgastante, especialmente quando essa pessoa causa conflitos, desavenças e discórdias dentro do ambiente familiar. É importante priorizar a segurança e o bem-estar da família, sempre que você se sinta afetado pela influência nociva que essa pessoa exerça sobre você e os demais membros da família.
Mas, afinal, o que vem a ser um parente tóxico? Parente tóxico é um membro da família que apresenta comportamentos prejudiciais e disfuncionais. Isso pode incluir pais, filhos, irmãos, tios, primos ou qualquer outro parente próximo. Esses familiares tóxicos podem ser abusivos verbal, emocional ou fisicamente, ou podem criar um ambiente tóxico de críticas constantes, manipulação e controle.
Para lidar com a adversa situação, apresentamos algumas sugestões: Estabelecer limites: defina limites claros em relação ao comportamento tóxico do parente; comunique suas expectativas de respeito e comportamento adequado e, se necessário, evite ou limite o contato com essa pessoa, para proteger sua própria saúde mental. Procurar apoio: converse com outros membros da família que também sofram com essa situação; compartilhar suas preocupações e experiências pode ser reconfortante e ajudar a encontrar soluções em conjunto. Manter a calma: é importante manter a calma e evitar entrar em confrontos diretos com o parente tóxico, pois ele pode buscar alimentar conflitos e provocar reações emocionais; responder com serenidade e assertividade pode ajudar a reduzir a tensão e evitar que a situação se agrave. Buscar suporte externo: se o ambiente familiar se tornar insuportável ou se a situação se tornar abusiva, busque aconselhamento profissional, que pode ser uma opção útil; ter um terapeuta ou conselheiro familiar ajuda a encontrar estratégias eficazes para lidar com a toxicidade e desenvolver mecanismos de enfrentamento saudáveis. Focar no autocuidado: priorize o seu bem-estar emocional e físico; procure atividades que lhe tragam alegria e relaxamento, como hobbies, exercícios físicos, meditação ou passar tempo com pessoas emocionalmente saudáveis fora do ambiente familiar; é fundamental cuidar de si mesmo, para não se deixar levar pelas artimanhas do parente tóxico. Distanciar-se ou cortar o contato: em algumas circunstâncias, pode ser necessário considerar o distanciamento ou até mesmo o corte de contato com o parente tóxico, especialmente se suas ações continuarem a prejudicar sua saúde mental e o ambiente familiar de forma significativa; essa decisão pessoal requer reflexão e pode ser útil discuti-la com profissional de saúde mental. Por fim, buscar segurança física: se a situação se tornar perigosa ou ameaçadora, não hesite em buscar ajuda imediata; entre em contato com as autoridades locais, como a polícia, se você ou outros membros da família estiverem em risco iminente. Como se vê, lidar com parente tóxico exige sobriedade, equilíbrio e ação. É importante abordar essa situação de forma consciente e assertiva, buscando estratégias que possam proteger sua saúde mental e promover um ambiente familiar mais saudável. Assim, entender os próprios limites e as emoções é necessidade fundamental. Reflita sobre como o comportamento tóxico do parente afeta você e identifique quais são suas prioridades e objetivos ao lidar com essa situação.

Germano Barbosa

23/05/2023

O mito da meritocracia

A meritocracia é um conceito que defende que as posições sociais e as recompensas devem ser distribuídas de acordo com o mérito individual, ou seja, com base nas habilidades, esforços e conquistas de cada pessoa. No entanto, é importante reconhecer que a meritocracia pode ser um conceito controverso e discutido sob diferentes perspectivas.
Em tese o conceito crasso de meritocracia defende que todo indivíduo é capaz de prosperar somente com suas capacidades, sem precisar da ajuda da sociedade, do Estado ou da família - um sistema que privilegia as qualidades do indivíduo, como a inteligência e a capacidade de trabalho, e não sua origem familiar ou suas relações pessoais.
Uma das críticas à meritocracia é que ela pressupõe igualdade de oportunidades para todos, o que nem sempre é o caso na realidade. Fatores como classe social, raça, gênero, acesso a recursos e privilégios podem afetar significativamente as oportunidades disponíveis para cada indivíduo. Portanto, aqueles que já estão em vantagem tendem a ter mais chances de obter sucesso e alcançar posições privilegiadas na sociedade.
Além disso, a meritocracia não leva em consideração as desigualdades estruturais e as disparidades de partida. Por exemplo, indivíduos que crescem em ambientes desfavorecidos enfrentam obstáculos adicionais, como falta de acesso a educação de qualidade, redes de contatos influentes ou recursos financeiros. Dessa forma, o mérito individual não é avaliado de forma isolada, mas influenciado por uma série de fatores externos. Outra crítica à meritocracia é que ela pode perpetuar desigualdades existentes, pois as oportunidades e os recursos estão distribuídos de maneira desigual na sociedade.
Aqueles que já estão em posições privilegiadas têm mais recursos e acesso a melhores oportunidades, o que aumenta suas chances de alcançar o sucesso. Isso cria um ciclo de reprodução de privilégios e desvantagens, em vez de promover uma sociedade mais igualitária. É importante considerar abordagens alternativas que levem em conta as desigualdades estruturais e busquem reduzir as disparidades existentes, como políticas de igualdade de oportunidades, investimentos em educação e acesso equitativo a recursos e serviços.
Dessa forma, é possível trabalhar para construir uma sociedade mais justa, onde o sucesso não seja determinado apenas pelo mérito individual, mas também pela criação de condições igualitárias para todos.

Germano Barbosa

13/02/2023

Entrevista ao programa Memória Viva, da Rádio Tabajara da Paraíba

No dia 01 de abril de 2022, concedi entrevista à radialista Beth Menezes, para o quadro Memória Viva, da Rádio Tabajara da Paraíba, emissora em que atuei profissionalmente por vários anos.


O que não dizer a uma pessoa com câncer - mesmo bem intencionados, alguns comentários e sugestões podem soar de maneira negativa e até atrapalhar o tratamento

Isabella Tavares


Receber o diagnóstico de câncer é impactante e desencadeia medos e dúvidas. É como se o chão se abrisse à nossa frente. Mas é importante acreditar na possibilidade de cura. Esse é o primeiro passo para iniciar a nova fase, além de buscar o suporte necessário para avançar.
A dificuldade em lidar com essas primeiras informações muitas vezes deixa o paciente perdido e com grande receio do que está por vir. Por isso, ao conversar com alguém que foi diagnosticado com câncer, evite frases que não possam soar de maneira positiva. Por exemplo, não se recomenda dizer a um paciente com câncer que ele vai “superar isso” ou “ficar bem”. Embora essa seja uma intenção positiva, nem sempre é uma garantia e pode parecer ignorante ou insensível diante da gravidade da situação. Procure entender o que o paciente está passando para ajudar de maneira mais eficaz. Em vez disso, faça perguntas como: “Como você está lidando com isso?”, “Como eu posso ajudar?” ou “O que você gostaria que eu soubesse?”.
Aqui vão outros exemplos do que não dizer para uma pessoa diagnosticada com câncer:
Não coloque a culpa do câncer no estilo de vida da pessoa

Colocar a culpa da doença no estilo de vida ou sugerir que o câncer é um resultado de escolhas ruins que a pessoa tenha feito só piora as coisas. Na maioria dos casos, o câncer tem causas complexas e multifatoriais, incluindo fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Comentários desse tipo podem aumentar a ansiedade da pessoa que está lidando com a doença.
“Você está tão bem, nem parece que está com câncer”

Essa frase pode soar insensível porque minimiza as lutas que a pessoa está enfrentando. A aparência nem sempre reflete seu bem-estar e ela pode estar lidando com uma série de desafios, como dor, fadiga, ansiedade. O paciente oncológico não precisa ter aparência de doente por estar lutando contra a doença. Além disso, essa frase pode sugerir que a pessoa com câncer não deveria se sentir mal ou que as dificuldades que está enfrentando não são válidas. Em vez disso, pergunte como a pessoa está se sentindo e o que você pode fazer para ajudar.
Não dê conselhos que não foram solicitados

Às vezes, mesmo frases bem intencionadas podem surtir efeito negativo. É importante respeitar o espaço e as escolhas de quem está doente. Embora com boas intenções, dar conselhos não solicitados pode ser visto como invasivo e desrespeitoso. A pessoa com câncer precisa de suporte e compaixão, e não de ser forçada a seguir conselhos que ela não solicitou. Em vez disso, respeite as decisões sobre o tratamento. Se a pessoa quiser compartilhar suas preocupações ou pedir conselhos, ela irá solicitá-los. Até lá, o melhor é oferecer ouvidos abertos e apoio emocional.
Não relativize o tipo de câncer que a pessoa tem dizendo que outro poderia ser pior

Cada pessoa é única e cada tipo de câncer é difícil de lidar, independentemente do prognóstico ou da gravidade. Além disso, fazer comparações pode minimizar o sofrimento e tornar a situação mais difícil. Ofereça apoio sem julgamentos ou comparações. E reconheça que a pessoa está enfrentando desafios únicos e difíceis.
Não recomende tratamentos sem eficácia comprovada

Além de não ajudar, essas recomendações podem atrapalhar o processo de cura. É importante seguir as recomendações médicas e tratar a doença de forma apropriada.
Existe uma grande quantidade de desinformações e soluções “caseiras” que são promovidas como curas para o câncer, mas muitas vezes esses tratamentos são ineficazes e até perigosos.
Ao recomendar um tratamento não comprovado, você pode estar colocando a saúde da pessoa em risco e distraindo-a de tratamentos que possam ser eficazes.
Ofereça apoio e amor incondicional. Escute sem julgamentos e esteja lá, para a pessoa, seja para conversar ou para ajudar de alguma forma prática.
O mais importante é ser uma presença positiva e acolhedora.

Fonte: https://veja.abril.com.br/coluna/letra-de-medico/o-que-nao-dizer-a-uma-pessoa-com-cancer/

11/02/2023

SAÚDE MENTAL - Borderline: entenda o diagnóstico do influencer Gustavo Tubarão

Influencer falou sua trajetória com depressão, uso de entorpecentes e Transtorno de Personalidade Borderline
O mineiro Gustavo Almeida Freire, de 23 anos, ficou famoso na internet por mostrar a realidade da sua vida no campo. Hoje, o agroinfluencer acumula mais de 15 milhões de seguidores nas redes sociais. Ele foi o convidado desta semana no PodSempre, o podcast da Pague Menos que aborda temas como saúde, desafios, beleza, qualidade de vida e bem-estar. Lá, o jovem falou sobre sua trajetória profissional até os dias de hoje e os momentos difíceis vividos com a depressão, o passado com o uso de entorpecentes e, além disso, sobre o recente diagnóstico de transtorno de borderline.
Tubarão contou que recebeu o diagnóstico da condição em 2022 e que, por achar que o assunto é pouco tratado na internet, decidiu abrir o tema em suas redes. “Quando eu recebi o diagnóstico eu queria morrer. O borderline é um círculo que também é formado por depressão, ansiedade, pânico e déficit de atenção. Isso faz com que eu acorde cada dia de um jeito, sendo extremamente feliz ou extremamente triste. E para eu esquecer isso, penso que eu sou bem maior que meu laudo médico, pois eu já tinha aquilo, e com o acompanhamento do psiquiatra descobri o nome e ajuda para todos os sintomas que eu sentia. Hoje, eu gasto toda minha energia na academia para não ter mais crises como antes”, ressaltou. Transtorno de borderline
O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é uma doença mental grave caracterizada por um padrão generalizado de instabilidade nas relações interpessoais, autoimagem e afeto. Além disso, a condição também é marcada por comportamentos impulsivos. Ela surge no início da idade adulta ou na adolescência, levando a grave comprometimento funcional e desconforto nas relações.

De acordo com o médico pós-graduado em psiquiatria, Dr. Vital Fernandes Araújo, uma das formas de identificar o transtorno é percebendo o padrão generalizado de instabilidade em várias áreas (relações interpessoais, autoimagem e afetos) associado à impulsividade acentuada. O especialista reforça que o borderline surge na adolescência ou início da idade adulta e pode ser reconhecido em vários contextos, geralmente com a ocorrência de cinco (ou mais) dos seguintes critérios:
1. Medo intenso do abandono, que os sujeitos tentam freneticamente evitar, seja real ou imaginário;
2. Tendência a ter relações interpessoais instáveis e intensas, que alternam entre extremos de idealização e desvalorização da outra pessoa; 3. Distúrbio de identidade, caracterizada por uma instabilidade marcada e persistente da autoimagem ou sentido do eu;
4. Impulsividade em pelo menos dois contextos potencialmente autodestrutivos (por exemplo, gastos, sexo, uso de substâncias, direção imprudente, compulsão alimentar);
5. Comportamento suicida recorrente (gestos ou ameaças) ou automutilação;
6. Mudanças rápidas do humor levando à instabilidade afetiva – geralmente durando algumas horas e raramente mais do que alguns dias;
7. Sentimento de vazio persistente;
8. Dificuldade em controlar a raiva, que muitas vezes é inadequada ou excessiva (por exemplo, demonstrações frequentes de temperamento, raiva constante, brigas físicas recorrentes);
9. Pensamentos paranoicos transitórios e relacionados ao estresse ou sintomas dissociativos graves.

Aspectos de gravidade do borderline
O transtorno também pode apresentar apresentações variáveis, aponta o Dr. Vital. Isto é, mais comumente, causa instabilidade crônica no início da idade adulta. O resultado são episódios de grave descontrole afetivo e impulsivo, que exigem cuidados e intervenções frequentes, com taxas altas de suicídio (de 8 a 10%). “Crianças e adolescentes com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) apresentam taxas aumentadas de hospitalização por ideação ou tentativa de suicídio, comorbidades mais graves e pior funcionamento clínico e psicossocial, semelhante ao observado em adultos. Infelizmente, o diagnóstico e o tratamento do TPB são muitas vezes tardios, levando a um resultado menos favorável. Aliás, isso é especialmente verdadeiro em pacientes com TPB de início precoce (os mais jovens), nos quais a detecção e a intervenção terapêutica são geralmente atrasadas”, afirma o médico.

Tubarão também mencionou no podcast que, por conta da compulsão gerada pelo transtorno de borderline, já fez uso de entorpecentes. “Eu tive uma pré-overdose em 2017 e depois disso eu nunca mais usei. A última vez, eu usei 8 substâncias em um único dia e eu queria me jogar da janela porque comecei ter ataques de pânico durante alucinações. Foi o pior dia da minha vida. Depois desse dia eu nunca mais mexi com isso”, afirmou.
Diagnóstico e tratamento
Segundo o especialista, o diagnóstico do transtorno de borderline se baseia em quatro pilares: 1. Entrevista detalhada com o médico ou profissional de saúde mental; 2. Avaliação psicológica, que pode incluir o preenchimento de questionários; 3. Histórico médico e exames; 4. Avaliação dos sinais e sintomas.
“O tratamento de pacientes com esse deve começar com a revelação do diagnóstico e educação sobre o curso esperado e tratamento do transtorno.
Essa abordagem pode diminuir o sofrimento e estabelecer uma aliança entre o paciente e o médico. Além disso, o tratamento deve informar aos pacientes que existem terapias eficazes, que envolvem aprender a cuidar de si mesmo, e que os medicamentos têm apenas um papel coadjuvante”, esclarece.
O tratamento do borderline utiliza principalmente psicoterapia, mas medicações podem auxiliar. O médico também pode recomendar a hospitalização se a segurança do paciente estiver em risco. A reabilitação tem o objetivo de ajudar o paciente a aprender habilidades para gerenciar e lidar com sua condição. Também é necessário tratar qualquer outro transtorno de saúde mental que geralmente ocorre junto com o transtorno de personalidade bipolar, como depressão ou uso indevido de substâncias, por exemplo. “Com o tratamento, a pessoa pode se sentir melhor consigo mesma e viver uma vida mais estável e gratificante”, destaca o Dr. Vital.



Fonte: https://www.saudeemdia.com.br/saude-mental

04/02/2023

A Terapia Cognitivo-Comportamental e as crenças nucleares


A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) é uma psicoterapia empiricamente validada no tratamento de diversos transtornos mentais e foi desenvolvida por Aaron Beck, na década de 1960, como alternativa no tratamento de pessoas com depressão que não se beneficiavam do modelo psicanalítico. A TCC é baseada no modelo cognitivo, ou seja, a maneira como o indivíduo perceba a situação é mais importante que a situação em si. Assim, o objetivo do tratamento é ajudar o paciente a mudar padrões de pensamentos e de comportamentos disfuncionais. Promovendo essa mudança, o paciente pode experienciar melhora no seu estado de humor e de funcionamento.
Na Terapia Cognitivo-Comportamental se utilizam, inicialmente, combinações de técnicas cognitivas ecomportamentais, além de integrações de técnicas derivadas de outros modelos terapêuticos, como a Gestalt Terapia, a Terapia Focada na Compaixão, o Mindfulness, a Resolução de Problemas, a Picodinâmica, a Entrevista Motivacional e a Psicologia Positiva. As intervenções que o psicoterapeuta irá fazer são orientadas para situações do cotidiano do paciente.
A relação terapêutica que é pregada na TCC envolve o “empirismo colaborativo”, que vem a ser a postura colaborativa do paciente e do terapeuta na busca de alternativas e soluções para as demandas trazidas à sessão. Esse conceito implica na postura ativa dos integrantes do processo terapêutico (paciente/terapeuta).
A TCC tem um cunho educativo, por meio da psicoeducaçào, que o terapeuta utiliza para educar o paciente sobre seu funcionamento, suas possíveis patologias, o seu tratamento, suas crenças e seus pensamentos automáticos. Isso infere numa cooperação da dupla e numa posição ativa do sujeito com seu tratamento. Quando “psicoeducado”, o paciente consegue monitorar e identificar pensamentos automáticos e distorções cognitivas. A TCC pode proporcionar redução de sintomatologia para pacientes em algumas semanas de tratamento, sem enquadramento único para a duração do tratamento, porque essa questão depende do engajamento do paciente, da psicopatologia, dos objetivos terapêuticos e do uso ou não de medicação. A TCC é sensível à duração do tratamento, sendo considerada uma psicoterapia breve. O objetivo do terapeuta da TCC sempre será a melhora do paciente, respeitando o processo, e o tempo individual do sujeito em relação a suas demandas. O objetivo final da TCC é a formação de uma autonomia duradora do paciente em relação a suas cognições e comportamentos.
O que são as crenças e como elas se formam?
As Crenças Nucleares, ou Centrais, são os entendimentos mais básicos das pessoas sobre elas mesmas, sobre o mundo, outras pessoas e o futuro.
Quando as pessoas apresentam condições psicológicas significativas, suas crenças tendem a ser disfuncionais, negativas, rígidas e generalizantes. Essas crenças são formadas durante o nosso desenvolvimento. Elas se formam baseadas no modo que nossos pais e familiares levam a vida, na nossa educação em casa e na escola, e no nosso convívio com outras pessoas, como amigos e desconhecidos. As experiências que vivemos ou deixamos de viver, como traumas durante nosso desenvolvimento, ajudam, também, na formação de nossas crenças centrais, ou nucleares.
São justamente essas crenças que atuam, que geram, nossos pensamentos sobre uma determinada situação. E por conta disso, podemos ter pessoas reagindo de maneiras completamente diferentes diante de uma mesma situação. Apesar que algumas pessoas possam ter crenças parecidas sobre algo, por conta de que cada um tem uma história e desenvolvimento únicos, nenhuma pessoa terá todas as crenças iguais. As crenças podem causar grande sofrimento para as pessoas, e elas lidam com isso desenvolvendo suposições, regras para viver para justificar as suas crenças. E então, desenvolvem estratégias compensatórias (comportamentos) para diminuir o encontro com essas crenças. Se um cliente tem uma crença por exemplo de ser um fracasso, ele pode desenvolver suposições de “Se eu falhar nas minhas tarefas, isso prova que sou fracassado” e assim desenvolver comportamentos perfeccionistas para como “tenho de fazer tudo perfeito, assim ninguém saberá que eu sou um fracassado”.
As crenças podem ser divididas em 3 categorias ou esquemas: Desamparo, Desamor e Desvalor
Quando as pessoas têm crenças de desamparo, elas podem pensar que são incapazes de conseguir fazer as coisas, incapazes de protegerem a si mesmas (emocionalmente ou fisicamente) ou incapazes comparadas a outras pessoas. “Sou incapaz” “Não tenho jeito” “Não faço nada direito” “Sou vulnerável” “sou indefeso” “sou fraco” “não tenho controle” “sou um fracasso” “não sou bom como os outros”
Na crença de desamor, elas acreditam que há algo nelas que dificulta a habilidade delas de receber amor e intimidade que elas querem das outras pessoas. “Não me encaixo” “Sou desinteressante” “Não sou amável”
Na crença de desvalor, elas acreditam que são moralmente ruins, que há algo dentro delas que é simplesmente terrível. “Sou mal” “Eu não presto” “Sou ruim” “Sou tóxico” “Sou um perigo para os outros”
As crenças também podem ser sobre as outras pessoas, o mundo de maneira em geral e o futuro. “As mulheres são todas ruins” “o mundo é um lugar muito perigoso e incerto” “O futuro será muito ruim”.
Como em uma mesma situação, pessoas podem responder de maneiras completamente diferentes:

Baseado no exemplo acima:
A primeira pessoa tem um comportamento de ligar para outras pessoas para saber se aconteceu algo com o amigo que cancelou e provavelmente teve os sintomas fisiológicos da ansiedade como taquicardia e sudorese. A crença dessa pessoa sobre o mundo é de que o mundo é incerto e perigoso e que sempre que as pessoas desmarcam compromissos em cima da hora é por que algo sério aconteceu.
A segunda pessoa pode depois de sentir raiva ficar sem falar com o amigo e afetar a amizade dela. Ela considera que pessoas que fazem isso são sem educação e que é um desrespeito pois “isso não se faz”.
A terceira pessoa estava cansada, mas por ter combinado o jantar, não quis desmarcar. Não considerou nada ruim sobre a situação, remarcou com o amigo para outro dia e se sentiu aliviada por poder então descansar.
A quarta pessoa tem uma crença de que ela não é muito amável e que os outros não gostam dela. Assim, quando desmarcam algo, ela “comprova” isso pois “quando as pessoas desmarcam compromissos é porque não gostam das pessoas que marcaram”, fica então triste e chora.
Como vimos, a Terapia Cgnitivo-Comportamental é uma intervenção psicossocial que visa a melhorar a saúde mental. Originalmente, A TCC foi projetada para tratar a depressão, mas seu uso foi expandido para incluir o tratamento de várias outras condições de saúde mental. Ela foi criada em meados da década de 1950, pelo Dr. Aaron Beck, eminente psicanalista, professor de psiquiatria da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, nos EUA. O modelo é baseado na combinação dos princípios básicos da psicologia comportamental e cognitiva. É diferente das abordagens históricas da psicoterapia, como a abordagem psicanalítica, por exemplo. A terapia cognitivo-comportamental é uma forma de terapia focada no problema e orientada para a ação.

Fontes: https://www.falcoericci.com.br/ https://www.wainerpsicologia.com.br/site/

Tenho um psicodiagnóstico: TAB (Transtorno Afetivo Bipolar), e agora?

Receber o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar não é fácil. Isso porque a doença atinge diversas áreas da vida do portador (desde o humor até as relações sociais) e ainda é cercada por muitos preconceitos. Contudo, se você está se perguntando “tenho transtorno bipolar, e agora?”, saiba que o tratamento adequado pode ajudar a diminuir os sintomas, e contar com uma rede de apoio sólida faz toda a diferença. Entenda melhor:
O que é o Transtorno Afetivo Bipolar?
De acordo com a psicóloga Cláudia Memória, da Nilo Saúde, trata-se de uma doença crônica caracterizada pela variação intensa e desproporcional do humor (entre polos de mania e depressão), podendo haver (ou não) um fator estressor relacionado. A fase de mania pode começar com a sensação de aumento da energia, criatividade e sociabilidade, mas segundo a psicóloga, é mais comum o aparecimento de irritação, impaciência e convicção sobre os próprios pontos de vista. “Nesse estado, a autocrítica costuma estar reduzida, levando a comportamentos impulsivos ou mesmo raivosos. Por outro lado, na fase depressiva, os sintomas mais comuns são tristeza, falta de energia, perda do prazer, alteração do apetite, insônia ou excesso de sono, perda da concentração, redução da libido, isolamento social, lentidão ou agitação motora, pensamento de culpa, falta de esperança e ideação suicida”, afirma. “Usualmente, o transtorno bipolar não devidamente tratado gera impactos ocupacionais, familiares e pessoais. A intensidade, a frequência e o tempo de cada episódio de humor varia muito de uma pessoa para a outra”, explica a psicóloga. Se você ainda tem dúvidas sobre o que é o transtorno, eis uma breve explicação. O transtorno bipolar é uma condição que provoca oscilações de humor no indivíduo. No entanto, elas são exageradas, pois se alternam entre momentos de euforia, com picos de energia, e fases de extrema depressão. Tais picos ocorrem subitamente, mas a duração é imprecisa. De acordo com a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), cerca de 6 milhões de pessoas apresentam o transtorno. Contudo, o diagnóstico do transtorno bipolar pode demorar anos – até a descoberta, o paciente enfrenta diversas dificuldades para levar uma vida normal. Por esse motivo, o número de indivíduos com TB pode ser maior do que o estimado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o transtorno bipolar é a sexta causa mais comum de incapacidade entre os adultos jovens, e os momentos depressivos parecem ser os que mais trazem prejuízos. Muitos indivíduos podem ficar perdidos, ou até mesmo abalados, após receberem o diagnóstico da doença. “Como ela afetará a minha vida?”, “será que entenderão o que eu passo?” e “o que acontecerá no trabalho?” são, por vezes, questões recorrentes. “No nosso país, existe uma brecha de cerca de dez anos entre o início dos sintomas e a identificação do transtorno. O autocuidado na fase depressiva encontra-se mais afetado, levando ao adiamento da busca por ajuda. Por outro lado, na fase hipomaníaca, a pessoa sente-se muito bem. Logo, não percebe possíveis prejuízos”, diz Cláudia Memória. Somam-se a isso os estigmas e os rótulos associados aos transtornos mentais, que dificultam ainda mais a aceitação. Contudo, a boa notícia é que o tratamento correto pode fazer toda a diferença na qualidade de vida do paciente, uma vez que ajuda a amenizar os sintomas e adiar as crises, fazendo com que elas fiquem cada vez mais espaçadas (os chamados períodos de eutimia).
Importância do tratamento
O manejo do transtorno afetivo bipolar envolve abordagens tanto farmacológicas, com o uso de medicamentos estabilizadores de humor para controlar e prevenir os episódios de mania e depressão; quanto psicoterápicas, nas quais o paciente aprende a lidar com os sintomas e recebe informações sobre o seu quadro. Além disso, pode haver a necessidade de tratar transtornos psiquiátricos associados e até comorbidades. A especialista também reforça a importância de manter bons hábitos de vida, já que muitos deles impactam diretamente no transtorno. “Vale tentar manter horários regulares para dormir, visto que uma redução na quantidade de horas de sono pode precipitar ou sinalizar uma alteração no humor.”
Papel de amigos e familiares
Mesmo seguindo o tratamento à risca, muitos pacientes ainda sentem dificuldade em lidar com o transtorno afetivo bipolar. Nesses casos, contar com uma boa rede de apoio é essencial — seja para acompanhar o indivíduo nas consultas médicas, auxiliar no bom relacionamento com a equipe de tratamento ou mesmo para estar ao lado. Outra alternativa interessante diz respeito à psicoeducação: encontros (individuais ou em grupos) nos quais são oferecidas informações e é dado o suporte para pacientes e seus familiares. O objetivo é garantir que eles tenham bons recursos para lidar com a doença por meio de trocas de experiências. De acordo com a ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos), a emoção expressa de forma descontrolada muitas vezes estressa o ambiente familiar e causa conflitos constantes. Todos, incluindo o paciente, podem trabalhar para que as relações sejam mais empáticas e tranquilas, observado:
O foco das conversas deve estar nas melhoras, sem dar ênfase aos problemas;
Valorização dos pequenos progressos, mesmo que mínimos;
A evolução do quadro depende também de mudanças consistentes e contínuas nas relações familiares;
É extremamente necessário que a família também procure ajuda — afinal, a saúde mental dos cuidadores não deve ser negligenciada;
O indivíduo com o transtorno pode contribuir evitando o abuso de álcool e outras drogas e seguindo o tratamento correto.

Fonte: Espaço Vitat ( https://vitat.com.br/tenho-transtorno-bipolar/ )

30/01/2023

Maternagem e o conceito de mãe suficientemente boa na teoria winnicottiana - Germano Barbosa

O termo “mãe suficientemente boa” foi criado pelo psiquiatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott, conhecido por sua teoria sobre maternagem. Ele acreditava que o desenvolvimento saudável de uma criança depende da qualidade da relação entre a mãe e o bebê.
De acordo com Winnicott, a mãe suficientemente boa é aquela que consegue atender às necessidades básicas do bebê, de maneira adequada, como na alimentação, no conforto e na segurança. Além disso, ela também permite que o bebê experimente frustrações e separações temporárias, o que é fundamental para o desenvolvimento de uma identidade autônoma.
Winnicott também destacou a importância do espaço intermediário entre a mãe e o bebê, para que a criança possa experimentar a sensação de ser independente, mas ainda se sentir amparada pela mãe. O espaço intermediário se refere ao lugar físico e psicológico, no qual a criança e seus objetos de amor, como os pais, se relacionam. Nesse lugar intermediário, ocorre o processo de desenvolvimento da identidade. Este espaço permite que a criança experimente e brinque com a realidade, além de sentir segurança e confiança na relação com os objetos de amor. É um ambiente protetor, que favorece a criatividade e a formação de uma identidade sólida, e é fundamental para que a criança desenvolva sua imaginação e sua criatividade.
Para Winnicott, a mãe não precisa ser perfeita, para ser suficientemente boa. Ela deve, sim, ser capaz de lidar com suas próprias frustrações e dificuldades, de maneira saudável, a fim de poder proporcionar ambiente seguro e estável para o bebê.
Em resumo, a teoria de Winnicott sobre maternagem e mãe suficientemente boa destaca a importância da relação entre a mãe e o bebê, para o desenvolvimento saudável da criança. A mãe suficientemente boa é aquela que consegue atender às necessidades básicas do bebê, permitir frustrações temporárias e criar um espaço intermediário seguro. Sim, essa é uma boa definição de uma “mãe suficientemente boa". Além disso, a mãe suficientemente boa também deve proporcionar amor e afeto, estabelecer limites claros, ser consistente em seu comportamento e fornecer orientação e apoio ao crescimento e desenvolvimento do bebê.
Portanto, a ideia da mãe suficientemente boa é justamente equilibrar frustração e satisfação dos desejos da criança, de maneira saudável, estabelecendo limites e ensinando a criança a lidar com a frustração, mas, também, ser sensível aos seus desejos e necessidades. Ao fazer isso, a mãe contribui para o desenvolvimento da resiliência e da autoconfiança da criança, ajudando-a a tornar-se uma pessoa saudável, capaz de lidar com as adversidades da vida.

Desertificação tem jeito - Germano Barbosa

A desertificação é um processo de degradação do solo, que leva à perda da sua fertilidade, causado por fatores como mudanças climáticas, erosão do solo, exploração excessiva dos recursos naturais e má gestão das terras. No Nordeste brasileiro, esse processo é agravado pelas condições climáticas adversas, como secas prolongadas e chuvas irregulares, bem como pela intensa exploração dos recursos naturais e pela falta de práticas de conservação do solo.
A região Nordeste do Brasil é uma das mais afetadas pela desertificação, com mais de 60% de seu território já degradado. Esse processo leva à perda da capacidade de produção agrícola, redução da biodiversidade e aumento da vulnerabilidade das populações locais aos impactos das mudanças climáticas.
A principal causa da desertificação no Nordeste é a exploração excessiva dos solos para agricultura, pecuária e mineração. A falta de práticas de conservação do solo, como o uso de técnicas agrícolas sustentáveis e a proteção das áreas de preservação permanente, agrava ainda mais o problema.
Outra causa importante é a mudança climática, que tem intensificado as secas na região e prejudicado a agricultura. A falta de infraestrutura adequada, como sistemas de irrigação, também contribui para a desertificação, já que dificulta a adaptação às condições climáticas adversas.
Para combater a desertificação no Nordeste, é necessário implementar medidas de conservação do solo, como a promoção de práticas agrícolas sustentáveis, a proteção das áreas de preservação permanente e a implementação de sistemas de irrigação. Além disso, é fundamental investir em tecnologias que possibilitem a adaptação às mudanças climáticas, como o uso de sementes resistentes à seca e o desenvolvimento de sistemas de captação de água de chuva.
A educação ambiental também é importante, pois ajuda a conscientizar a população sobre a importância da preservação do solo e a adotar práticas sustentáveis.
Em resumo, a desertificação no Nordeste brasileiro é um problema sério que afeta a produção agrícola, a biodiversidade e a segurança alimentar da região.
Para lidar com esse problema, é importante implementar soluções eficazes e duradouras, como:
• Reflorestamento: Plantar árvores ajuda a restaurar a cobertura vegetal e a proteger o solo contra a erosão. Além disso, as árvores podem fornecer madeira e outros recursos valiosos para as comunidades locais;
• Adoção de práticas agrícolas sustentáveis: As práticas agrícolas intensivas, como o monocultivo, podem degradar o solo e contribuir para a desertificação. Alterar para práticas agrícolas mais sustentáveis, como agricultura de conservação, pode ajudar a preservar o solo e a água;
• Gerenciamento de recursos hídricos: A gestão adequada dos recursos hídricos é vital para combater a desertificação. Isso inclui a construção de barragens, canais de irrigação e sistemas de captação de água da chuva;
• Educação e conscientização: A educação e conscientização das comunidades locais sobre a importância da preservação dos recursos naturais é fundamental para combater a desertificação a longo prazo;
• Parcerias público-privadas: As parcerias entre o setor público e o privado podem ajudar a alocar recursos e tecnologias para combater a desertificação no Nordeste brasileiro. Implementar essas soluções requer ação e colaboração, em níveis local, nacional e internacional. É importante agir agora, para preservar o meio ambiente e garantir um futuro sustentável para as comunidades da região Nordeste do Brasil.


18/01/2023

Melancolia e suicídio: uma articulação freudiana - Marcos Vinicius Brunhari/Vinicius Anciães Darriba*

Dentre as primeiras referências de Freud ao suicídio, em "Sobre a psicopatologia da vida cotidiana" (1901/1969), ele reserva um capítulo para descrever os "equívocos na ação [Vergreifen]" (Freud, 1901/1969, p. 167). Segundo o autor, basta um passo, a partir dos lapsos na fala, para que se considerem os equívocos da ação como formados da mesma maneira que os lapsos. Essa formação compartilhada se observa desde o efeito falho, um desvio do que era intencionado, como característica fundamental. Dentro dessa categoria de equívocos na ação, Freud enumera situações em que atos apontam para determinações inconscientes escamoteadas sob equívocos e erros. São pequenos acidentes ou o uso inadequado de objetos e, também, quedas, escorregões, passos em falso e ferimentos autoinfligidos. Quanto aos ferimentos autoinfligidos, Freud afirma que "nunca se pode excluir o suicídio como um possível desfecho do conflito psíquico" (1901/1969, p. 181). A proposta de Freud é de dispor as tentativas ou conclusões de suicídio como reveladoras de uma intenção inconsciente que pode estar mascarada por um acidente casual. Dessa forma, ele argumenta que uma tendência à autodestruição está presente em certa medida e que "os ferimentos autoinfligidos são, em geral, um compromisso entre essa pulsão e as forças que ainda se opõem a ela" (Freud, 1901/1969, p. 183). Freud indica a presença de uma pulsão que impele à autodestruição, o que pode ser reconhecido como um germe da pulsão de morte, na base das tentativas ou conclusões suicidas de ordem consciente ou inconsciente. Segundo o autor, duas forças se opõem e os ferimentos autoinfligidos surgem a partir da tendência à autodestruição que supera as forças que se lhe opõem. Esse prenúncio da desfusão pode ser antevisto nas considerações de Freud (1901/1969) sobre o suicídio como pertencente à categoria de equívocos na ação. Vale notar, então, que o exame do problema do suicídio nos termos acima antecipa a conceituação por Freud de uma pulsão de autodestruição, visto tratar-se aqui de uma reflexão efetuada já em 1901. Essa interrogação acerca da possibilidade da autodestruição é importante para aquilo que se segue na obra de Freud a respeito do suicídio. Em uma conferência intitulada "Contribuições para uma discussão acerca do suicídio" (1910/1969), ele aborda o suicídio como algo obscuro e de causas misteriosas. Diante da pulsão de vida subjugada, Freud questiona se a renúncia à autopreservação teria como base motivos do próprio eu. Charliac (2002) atenta para esse ponto da reflexão de Freud ao observar que há, nessa passagem de 1910, uma exposição do problema do suicídio a partir de duas propostas metapsicológicas não excludentes entre si: "De um lado, a renúncia do eu à vida poderia ser provocada por uma decepção da libido devido a causas externas; de outro lado, a renúncia poderia provir de causas internas, de motivos próprios ao eu" (Freud, 1910/1969, p. 209). O deslocamento da investigação para o campo do eu acarreta, assim, a reformulação da pergunta inicial sobre uma tendência à autodestruição para uma nova pergunta concernente a uma renúncia à autopreservação por parte do eu. Freud afirma não ter subsídios para responder à questão, contudo não deixa de propor um encaminhamento. Segundo ele, é possível "tomar como ponto de partida a condição de melancolia, que nos é tão familiar clinicamente, e uma comparação entre ela e o afeto do luto" (Freud, 1910/1969, p. 244). Estabelecido o binômio luto e melancolia, que perdurará ao longo da obra de Freud, o suicídio tem a melancolia como referência, na medida em que a interrogação passa a inquirir uma renúncia por parte do eu. A formação binomial luto e melancolia é estabelecida por Freud (1910/1969) como condição para que se avance na temática do suicídio. Deve-se sublinhar que, nesse segundo tempo das considerações sobre o suicídio, fica claro tratar-se de um problema de pesquisa a que Freud se dedica. Além disso, a interrogação sobre o papel do eu na autodestruição estabelece, para o autor, a melancolia, em contraposição ao luto, como o terreno em que tal pesquisa será desenvolvida. Ainda em "Contribuições para uma discussão acerca do suicídio" (1910/1969), Freud afirma não haver resposta possível para a questão sobre como seria possível o eu renunciar à autopreservação. Ele atribui a impossibilidade de resposta à ausência de meios para tanto e, como vimos, indica o estudo da melancolia em sua correlação com o luto como caminho. Destacamos novamente que o suicídio se revela uma questão para Freud e que o terreno da melancolia é o que está a seu alcance, na medida em que a renúncia à autopreservação e o desapego à vida são características articuladoras do suicídio com o quadro melancólico. Será em "Luto e melancolia" (1917 [1915]/1969) que Freud retomará tal articulação, propondo abandonar qualquer reivindicação à universalização daquilo que desenvolverá acerca da melancolia, uma vez que esta assume várias formas de definição mesmo para a psiquiatria descritiva. Dispõe-se a abordar apenas os casos em que a natureza psicogênica é indiscutível. O trajeto que seguimos até aqui faz ver o quanto o trabalho reflexivo realizado nesse escrito já vinha sendo, desde antes, propulsado pelas dificuldades em elucidar o que estaria em jogo na problemática do suicídio. A correlação entre luto e melancolia é justificada por Freud na medida em que o quadro geral dessas duas condições refere uma perda. Entretanto, enquanto no luto há a "reação à perda de um ente querido, como os pais, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 249), na melancolia há "uma disposição patológica" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 249). O que se apresenta na melancolia é uma diminuição, um escoamento da autoestima. Portanto, é algo que se afigura no eu e que é exclusivo da melancolia, não presente no luto. O desânimo, o desinteresse pelo mundo, a incapacidade de amar, a inibição e a diminuição da autoestima chegam ao ponto de encontrarem expressão na "autorrecriminação e autoenvilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 250). Esse conjunto, que pode até mesmo revelar uma expectativa delirante de punição e que expressa um caráter de escoamento do eu, sustenta-se sobre uma perda. Assim, Freud (1917 [1915]/1969, p. 251) aponta o processo melancólico a partir da perda de um "objeto amado", ou melhor, "uma perda de natureza mais ideal" da qual não se tem notícias, pois não se conhece o que foi perdido. Essa perda está retirada da consciência. Segundo Freud, não se conhece o que foi perdido e que está "absorvendo tão completamente" (1917 [1915]/1969, p. 251) o eu, tornando-o vazio e empobrecido (Ichverarmung), ou autoempobrecido, como revela o termo em alemão, caído na miséria. Freud assinala que é o próprio paciente quem envilece, torna vil e abjeto o eu. É o paciente quem "estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 252), constituindo um delírio de insignificância moral, recusando-se a comer e a dormir em um processo no qual é suprimido aquilo que "compele todo ser vivo a se apegar à vida" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 252). Freud se debruça sobre esse retorno ao eu, dizendo ser improdutivo contradizer o paciente em sua certeza sobre tal acusação. Afirma que, de alguma forma, há nisto razão. É nesse processo em que o paciente encontra-se desinteressado e "incapaz de amor" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 252) que se verificam as acusações que se justificam, segundo Freud, por uma visão mais penetrante da realidade e pela proximidade a uma verdade, o que leva ao adoecimento. O enfoque não está em saber se a autodifamação do eu é correta ou não, o fato está em que isto tem sua razão. Ao considerar essa razão, Freud pôde observar que a perda do amor-próprio do eu denota a perda relativa ao eu. A diminuição do amor-próprio, da autoestima, é a mais marcante das características da melancolia. É a partir dela que Freud observa que as injúrias que o paciente dirige a si podem se ajustar a outrem, "a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 254). Portanto, as injúrias dirigidas a um objeto de amor são deslocadas contra o eu. Esse deslocamento contra o eu se baseia na ambivalência da relação amorosa com o objeto. É nisso que se fundamentam os lamentos e queixas (Klagen) que não passam de acusações (Anklagen). Freud faz um jogo com as palavras Klagen e Anklagen permitindo uma compreensão de um eu perseguidor, ativo em sua ação de dar queixas de si próprio. Identifica-se aqui o prenúncio do conceito de supereu e de sua função no processo melancólico, o que será determinante para a elucidação da problemática do suicídio. Em contrapartida, é preciso considerar ter sido esta última - ao ensejar a pergunta sobre o papel do eu na autodestruição e a articulação com a melancolia - que fez vislumbrar a possibilidade de uma partição no eu, a qual condicionou o progresso da metapsicologia freudiana. Segundo o autor, na melancolia, em uma relação objetal particular, há um enlaçamento que é destruído. Ele afirma não ser o resultado disto um processo normal de desligamento do objeto no qual há um deslocamento para outro objeto; há sim um recolhimento da libido ao eu. Nesse recolhimento da libido, estabelece-se uma identificação do eu com o objeto que se foi: "assim a sombra do objeto caiu sobre o ego" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 254). Desde então, pode o eu ser julgado como o objeto perdido por uma instância crítica. É assim que a perda do objeto se transforma em uma perda do eu, levando Freud a reconhecer haver aí uma forte fixação no objeto e, concomitantemente, uma fraca aderência do investimento depositado. Diante disso, aponta a base narcísica sobre a qual é feita a escolha objetal. Perante certo obstáculo, o investimento de carga depositado no objeto regrediria ao narcisismo, não renunciando à relação amorosa. O amor depositado no objeto seria substituído pela identificação narcísica. O investimento objetal tem, após sua ruptura, um duplo destino: uma parte volta-se por via identificatória e outra sob a forma de sadismo. Freud reconhece a importância desse sadismo no processo melancólico, sendo ele justamente o que permite pensar o suicídio na melancolia: "é exclusivamente esse sadismo que soluciona o enigma da tendência ao suicídio, que torna a melancolia tão interessante - e tão perigosa" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 257). Segundo o autor, a tendência ao suicídio parecia inexplicável na medida em que, anteriormente, se considerava o estado primitivo da vida pulsional ser um grande amor do eu por si mesmo e o medo surgido diante de uma ameaça à vida ser correspondente a uma quantidade de libido narcísica liberada. Diante desses dois pontos, seria impossível compreender que o eu, tão preso e amoroso de si, atentasse contra si próprio. Sobre esse processo de autotortura promovido pelo eu, Lambotte (2000, p. 72) afirma que "o melancólico se esmera em matar o que o estorva na ignorância em que ele se encontra da natureza de seu adversário". Esse sadismo que se dirige ao eu subjugado ao objeto é, então, um elemento essencial às considerações de Freud sobre o suicídio. É ao conceber o retorno do sadismo ao eu que Freud pôde sustentar a identificação ao objeto contra o qual atenta o eu em sua ignorância que o torna vítima e algoz concomitantemente: A análise da melancolia mostra agora que o ego só pode se matar se, devido ao retorno da catexia objetal, puder tratar a si mesmo como objeto - se for capaz de dirigir contra si mesmo a hostilidade relacionada a um objeto, e que representa a reação original do ego para com objetos do mundo externo (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 257). Quando a catexia se desliga do objeto e retorna ao eu, há, na melancolia, uma identificação ao objeto e, desde então, com a volta da catexia objetal, o eu trata-se como se fosse o objeto perdido. Nesse processo de se tratar como objeto, o eu dirige para si a hostilidade que é original da relação com aquele. É assim que "ele [o objeto], não obstante, se revelou mais poderoso do que o próprio ego" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 257). O objeto triunfa sobre o eu e isso se dá pela via do amor e do ódio que sustentavam a relação. Sobre o triunfo do objeto como via para o suicídio, Quinet (2006, p. 207) destaca um deslocamento, visto que "não é mais pelo narcisismo, e sim pela própria teoria pulsional e a identificação do sujeito ao objeto que ele [Freud] passa a explicar o suicídio na melancolia". O modo como Freud dispõe sobre a questão do suicídio passa a incluir a dimensão do objeto; ou seja, o eu apenas atenta contra si na medida em que ataca um objeto em si. Desse modo, a pesquisa acerca do problema do suicídio, que já se desdobrara, em Freud, da interrogação sobre o que possibilita a autodestruição ao aprofundamento do que a condiciona desde a instância do eu, valendo-se do paradigma da melancolia, avança agora para a problemática do objeto. Freud, além disso, propõe ainda um exame tópico da melancolia para considerar em quais sistemas psíquicos seu processo se desenrola. O autor inicia tal reflexão sobre a tópica afirmando que a representação mental inconsciente (da coisa) "do objeto foi abandonada pela libido" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 261). Como já observado, a ambivalência seria base para o que se processa na melancolia. Segundo Freud, em relação ao objeto há uma luta entre amor e ódio, e "a localização dessas lutas só pode ser atribuída ao sistema Ics., a região dos traços de memória de coisas (em contraste com a catexia da palavra)" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 261). Topograficamente, portanto, o processo da melancolia, que compreende a ambivalência em sua fundamentação, ocorre em um lugar diferente do das palavras e, deste lugar, o caminho para a consciência é barrado para o melancólico. No embate entre amor e ódio, o ódio avança e desliga o objeto, enquanto que, "refugiando-se no ego, o amor escapa à extinção" (Freud, 1917 [1915]/1969, p. 262). É assim que, após o abandono do objeto e a consequente identificação narcísica, o conflito passa a ser representado para a consciência como uma tensão entre o eu e o agente crítico, o qual, como observamos, será designado, em 1923, por supereu. Este figurará no bojo de uma concepção do eu como formado a partir de identificações que tomam o lugar de investimentos abandonadas pelo isso: "a primeira dessas identificações sempre se comporta como uma instância especial no ego e dele se mantém à parte sob a forma de um superego" (Freud, 1923/1969, p. 61). A manifestação do supereu acarreta o sentimento de culpa tanto na melancolia quanto na neurose obsessiva. Contudo, o melancólico admite a culpa e se submete ao castigo, não havendo objeção por parte do eu. É nessa postura, tipicamente melancólica, que se sustentam as lamentações. O sadismo que se dirige ao eu é conteúdo do supereu, criando assim uma "cultura pura do instinto de morte e, de fato, ela com bastante frequência obtém êxito em impulsionar o ego à morte, se aquele não afasta o seu tirano a tempo, através da mudança para a mania" (Freud, 1923/1969, p. 66). A implicação do supereu na análise do suicídio é fundamental, visto ser desde essa instância concebível que o eu assuma a culpa e se castigue, identificado ao objeto. O percurso da pesquisa freudiana sobre o suicídio, iniciado com o vislumbre de uma tendência à autodestruição que o caracterizaria dentre outros atos, avançou, tomando a melancolia como via de resposta. Esta indica o sadismo e a identificação narcísica como elementos de um processo no qual a sombra de um objeto se sobrepõe ao eu. Subjugado ao triunfo do objeto sobre si, o eu se castiga como outrem e, apenas dessa forma, é possível matar-se, matando o objeto com o qual se identificou. O processo de automortificação do eu melancólico é situado por Freud como relativo à perda que ocorreu no eu. Não desprovido de razão pelo autor, o eu melancólico mostra que as injúrias são dirigidas a um objeto que, por certo motivo, o habita. É então que a sombra que recobre o eu se fundamenta na identificação narcísica em que o retorno sobre o eu tem o caminho marcado. É importante destacar que este processo se estabelece, segundo afirma Freud (1915 [1917]/1969), fora do âmbito das palavras. Assim, a prevalência do que está fora do âmbito das palavras sobre o eu melancólico acresce-se a uma elaboração freudiana que tem na identificação narcísica o eixo essencial para a consideração do suicídio na melancolia. A trajetória do tema do suicídio na obra de Freud situa a identificação narcísica ao objeto como ponto chave desde o qual, na melancolia, todo o processo de autodestruição se desenrolaria. Contudo, em acréscimo à articulação de um objeto que triunfa sobre o eu, cabe reinterrogar a dimensão de ato do suicídio, que vimos ser considerada por Freud em 1901. Essa dimensão de ato implicada no suicídio não chega a ser explorada no exame da problemática melancólica, restando como uma indicação pontuada por Freud ainda no primeiro tempo de sua investigação. Ao indicar a delimitação freudiana do suicídio à melancolia, na medida em que este ponto de vista marca uma identificação radical ao objeto, Charliac (2002, p. 210) afirma que "esta ideia foi tomada por Lacan em seu Seminário - A angústia desde onde ele avança ao propor que a passagem ao ato suicida, em particular na melancolia, encontra seu correlato em um deixar-se cair do sujeito". Assim, a identificação absoluta ao objeto encontrará, a partir de Lacan (1962-1963/2005), uma aproximação com o deixar-se cair evidenciado pelo ato suicida. É com o intuito de avançar neste ponto, que recorremos, na sequência, aos apontamentos de Lacan (1962-1963/2005) acerca do deixar-se cair e da passagem ao ato suicida na melancolia. Para tal, faz-se necessário um breve percurso sobre os elementos destacados pelo autor em seu seminário de 1962-1963. *Universidade de São Paulo/Universidade do Estado do Rio de Janeiro

16/01/2023

O cemitério de Jorge Amado

Tenho horror a hospitais, os frios corredores, as salas de espera, ante-salas da morte, mais ainda a cemitérios onde as flores perdem o viço, não há flor bonita em campo santo. Possuo, no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei há alguns anos, quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele enterro aqueles que matei, ou seja, aqueles que para mim deixaram de existir, morreram: os que um dia tiveram a minha estima e perderam. Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério – nele não existe jazigo de família, túmulos individuais, os mortos jazem em cova rasa, na promiscuidade da salafrarice, do mau caráter. Para mim o fulano morreu, foi enterrado, faça o que faça, já não pode me magoar. Raros enterros – ainda bem! – de um pérfido, de um perjuro, de um desleal, de alguém que faltou à amizade, traiu o amor, foi por demais interesseiro, falso, hipócrita, arrogante – a impostura e a presunção me ofendem fácil. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outros varri da memória, retirei da vida. Encontro na rua um desses fantasmas, paro a conversar, escuto, correspondo às frases, às saudações, aos elogios, aceito o abraço, o beijo fraterno de Judas. Sigo adiante, o tipo pensa que mais uma vez me enganou, mal sabe ele que está morto e enterrado. Jorge Amado

08/01/2023

Psicopatia - Transtorno da Personalidade Antissocial

Mulheres contam como é viver com o distúrbio

Psicopatia é uma condição que especialistas tratam como mal compreendida.

Por Megha Mohan, da BBC


A psicopatia é geralmente associada aos homens, particularmente aos criminosos, e é muito pouco
estudada nas mulheres — Foto: SOMSARA RIELLY

A psicopatia é uma condição que condena e fascina muitas pessoas, mas o estigma profundamente arraigado em volta dela indica que o distúrbio ainda é mal compreendido — especialmente quando afeta as mulheres.

Victoria sabia que seu namorado tinha uma esposa, mas, depois de alguns anos, ela começou a suspeitar que ele tivesse outras amantes.

Ela não tinha provas, mas a linguagem corporal do namorado o denunciava, segundo ela. Suas histórias não faziam sentido. Seu rosto parecia diferente quando ele mentia.

"Acontece que tenho excelente memória quando se trata de conversas", ela conta. "Ele não sabia mentir bem. Não sei como a esposa dele nunca o desmascarou."

Diversas formas de punição surgiam na mente de Victoria, até que ela se decidiu por uma delas. Levaria algum tempo e ela precisaria agir como se não soubesse de nada. Foi assim que, por vários meses, Victoria continuou a vê-lo, mas enviava fotos do seu namorado nu para a esposa dele.

Perturbado, ele procurou Victoria, se perguntando quem poderia estar enviando essas fotos. Sua esposa estava arrasada. Ele confessou a Victoria que, de fato, estava dormindo com outras mulheres. E não suspeitou que era Victoria quem estava enviando as fotos.

Quando Victoria se cansou de tudo e quis terminar o relacionamento, ela enviou à esposa do namorado uma coleção final de fotografias. Na última imagem, a própria Victoria aparecia junto ao homem. Com essa revelação explosiva, Victoria saiu da vida deles para sempre.

Quando Victoria contava esta história para as pessoas, sua petulância as espantava.

"Elas me perguntavam 'por que você fez isso com a esposa dele? O que a esposa dele fez para merecer isso? O que ela fez para magoar você?'", ela conta. "E eu pensava, 'bem, a vida é injusta'."

Ela faz uma pausa.

"Acho que este é um bom exemplo de uma característica psicopata extrema que eu costumava ter. Indiferença."

Mulheres com psicopatia costumam exibir menor tendência à violência que os homens e mais manipulação interpessoal — Foto: SOMSARA RIELLY

A definição da psicopatia

A psicopatia não é um diagnóstico oficial de saúde mental e não está presente na mais recente edição do Manual Estatístico e de Diagnóstico de Distúrbios Mentais. Ela está agrupada sob a classificação mais ampla de distúrbio da personalidade antissocial, embora a psicopatia seja amplamente usada em ambientes clínicos em todo o mundo.

Ela é entendida como sendo um distúrbio neuropsiquiátrico, em que uma pessoa exibe níveis anormalmente baixos de empatia ou remorso, muitas vezes resultando em comportamento antissocial e, às vezes, criminoso.

O termo foi usado por médicos europeus e americanos no início dos anos 1900 e tornou-se comum em 1941, após a publicação do livro The Mask of Sanity ("A máscara da sanidade", em tradução livre), do psiquiatra norte-americano Hervey M. Cleckley.

"Os principais acadêmicos do mundo vêm debatendo a definição da psicopatia", segundo a psicóloga e neurocientista Abigail Marsh, da Universidade de Georgetown em Washington D.C., nos Estados Unidos. "Você terá explicações muito diferentes da psicopatia, se falar com um psicólogo forense ou criminologista."

Marsh afirma que os psicólogos criminalistas tendem a classificar as pessoas como psicopatas somente se exibirem comportamento extremo e violento. Mas, para ela, a condição se apresenta na forma de espectro com outros comportamentos menos dramáticos, que podem variar de uma pessoa para outra.

Os psicólogos e psiquiatras, de forma geral, concordam que uma ou duas a cada 100 pessoas, na população em geral, atendem ao critério de psicopatia. Mas Marsh afirma que até 30% das pessoas exibem algum grau de características psicopatas na população em geral.

Para as pessoas com psicopatia, isso pode significar que elas têm dificuldades para manter amizades próximas e se colocam em situações de risco, mas a condição também é prejudicial para as pessoas à sua volta.

"Muitas vezes, ter por perto uma pessoa insensível ou manipuladora é devastador e cansativo para as pessoas que vivem com alguém com psicopatia extrema", afirma Marsh.

Ela afirma que a maioria dos estudos referentes às pessoas com psicopatia tem sido conduzida com criminosos. Alguns desses estudos indicam que os psicopatas — ou as pessoas que exibem características psicopatas— representam um número desproporcional de pessoas na prisão, embora existam controvérsias sobre sua real incidência.

De forma geral, as pesquisas indicam que a incidência de psicopatia é maior entre os criminosos homens (representando talvez 15 a 25% dos prisioneiros) do que entre as mulheres (10 a 12%).

Mas este ainda é um campo pouco estudado na população em geral e ainda menos pesquisas são realizadas com mulheres.

As mulheres com psicopatia

Embora diversos estudos indiquem que a incidência da psicopatia é maior entre os homens do que entre as mulheres, Marsh argumenta que isso pode se dever, em primeiro lugar, à forma em que os exames foram idealizados.

"As escalas iniciais de psicopatia foram principalmente desenvolvidas e testadas na população prisional de homens na Columbia Britânica [no Canadá] por Bob Hare", afirma ela.

O psicólogo canadense Robert Hare desenvolveu a Lista de Controle da Psicopatia (agora chamada PCL-R) nos anos 1970 e uma versão revisada é frequentemente considerada o padrão-ouro global para o teste de características psicopatas. Ela é agora a ferramenta de diagnóstico validada e mais frequentemente empregada para determinar a psicopatia.

A PCL-R mede a escala de desconexão emocional que alguém pode ter, tal como sua disposição de manipular alguém até um resultado desejado, independentemente das consequências, bem como seu comportamento antissocial, como escolhas agressivas ou impulsivas que podem ser violentas ou envolver o abandono abrupto das responsabilidades.

"Adaptações dessa escala são utilizadas hoje em dia em amostras não institucionalizadas, incluindo mulheres e crianças em diversos países, mas permanece aberta a questão de se você usaria essas mesmas questões para começar se fosse lidar com mulheres não criminosas", afirma Marsh.

Uma análise dos pesquisadores em 2005 também comparou características centrais de mulheres e homens com psicopatia. Eles indicaram que as mulheres, muitas vezes, exibiam características como impulsividade debilitadora (como falta de planejamento), falsidade nos relacionamentos interpessoais e agressões verbais.

Por outro lado, os pesquisadores concordaram que a psicopatia nos homens tende a se manifestar com violência e agressões físicas. Mas, na época, elas indicaram que não haviam sido realizadas pesquisas suficientes sobre o motivo para isso. E, 17 anos depois, não houve grandes mudanças.

A estudante de PhD de psicologia da Universidade de Madri, na Espanha, Ana Sanz García e seus colegas realizaram uma análise mais recente, em 2021, de estudos de pesquisa publicados, que avaliaram mais de 11 mil adultos para determinar psicopatia. Ela concorda que são necessários mais estudos concentrados nas mulheres e em pessoas não criminosas com psicopatia.

Sanz García afirmou à BBC que os estudos até hoje demonstram que as mulheres com psicopatia exibem menos propensão à violência e ao crime do que os homens, mas existem mais exemplos de manipulação interpessoal.

"Seria interessante estudar os fatores que explicam por que, entre as mulheres com alto grau de psicopatia, existe menor probabilidade de cometer atos criminosos e antissociais do que entre os homens", afirma ela. "Se esses fatores forem descobertos, será possível criar um programa para evitar que homens e mulheres com alto grau de psicopatia cometam esses atos antissociais e criminosos."

Acredita-se que a genética e o ambiente de criação de uma pessoa
influenciem a 
psicopatia. — Foto: SOMSARA RIELLY

Também neste caso, não há pesquisas suficientes para determinar os motivos, mas um estudo recente na França indica uma possível resposta: a frieza e a falta de emoção parecem desempenhar um papel mais central na psicopatia feminina do que entre os homens. E as mulheres também exibem menos comportamentos violentos e antagonistas que na psicopatia masculina.

Manipulação como entretenimento

Victoria afirma que o seu comportamento manipulador começou a surgir como forma de entretenimento próprio.

Ela nasceu na Malásia, em uma família de classe média. O alcoolismo do seu pai e a falta de responsabilidade pessoal pelas consequências da bebida tornaram seu lar infeliz.

Ela teve sucesso nos estudos, mas se sentia frequentemente aborrecida. Para se divertir, ela gostava de passar adiante informações confidenciais que recebia das pessoas, segredos que ela havia jurado guardar. Quem odiava quem. Quem gostava de quem.

As tensões entre os alunos no ensino médio, muitas vezes, eram causadas por ela. Victoria sabia manipular os outros para que assumissem a responsabilidade pelos erros que ela cometeu e sabia o que dizer para se livrar de problemas. Ela chegou a convencer uma professora de que tinha atirado um giz nela apenas por pressão dos colegas.

"Era o que ela queria ouvir", ela conta. "Ela queria acreditar que aquela menina inteligente não era ruim, apenas facilmente influenciável."

Mais recentemente, Victoria estava obtendo ajuda para controlar seus impulsos. Mas ela também encontrou apoio, embora possa parecer estranho, de pessoas como ela.

Pergunto a ela sobre diversos vídeos recentes conhecidos como "o desafio do psicopata", que viralizaram no TikTok, somando mais de 20 milhões de visualizações. Eles discutem como os espectadores podem "identificar um psicopata".

A hashtag "psicopata" é uma das mais populares naquela rede social, com mais de dois bilhões de visualizações. Ela é usada para marcar diversos assuntos, incluindo imagens de pessoas com psicopatia em julgamentos, e também é usada como insulto para maus comportamentos.

O que fica claro é que pessoas acham o tema da psicopatia e seus portadores, ao mesmo tempo, fascinantes e repulsivos.

Victoria não acha esses vídeos ofensivos.

"Parte de ser psicopata é não se importar com o que as pessoas pensam, de forma que isso não me aborrece", afirma ela. "Mas mostra a pouca compreensão das pessoas sobre o espectro completo da condição."

A exceção, para ela, são os vídeos que discutem se as pessoas com psicopatia são mais propensas a maltratar os animais. "Muitos de nós preferimos animais aos seres humanos", afirma ela, secamente.

Sociopata ou psicopata?

O que Victoria indica como "nós" é uma comunidade online de mulheres como ela. Ela está concentrada principalmente no blog da escritora M. E. Thomas, talvez uma das mais conhecidas mulheres com psicopatia. A avaliação de psicopatia de Thomas, realizada pelo psicólogo forense John Edens, da Universidade A&M do Texas, nos Estados Unidos, foi de 99%.

O blog de Thomas, intitulado Sociopath World, detalha como é a vida com psicopatia. Ela afirma que usava a palavra sociopata em vez de psicopata porque achava que era um termo que seria compreendido por mais pessoas.

Sociopatia não é um termo clínico amplamente aceito, e psicólogos como Abigail Marsh afirmam que, às vezes, ele é usado por indivíduos que podem sentir o estigma relacionado à palavra "psicopata".

Um agente literário descobriu o blog de Thomas e ofereceu um contrato para um livro. Confessions of a Sociopath: A Life Spent Hiding in Plain Sight ("Confissões de uma sociopata: uma vida passada escondendo-se à vista de todos", em tradução livre) foi publicado em 2012 e traduzido para mais de 10 idiomas. Um filme baseado no livro, estrelado pela atriz norte-americana Lisa Edelstein, está atualmente em produção.

"Vejo-me como uma fórmula, não como uma pessoa", afirma Thomas. "É como ser uma planilha do Excel, onde examino o que faço e digo calculando o possível resultado."

Um exemplo pode ser dizer a alguém que ela o ama quando quer algo dele, afirma Thomas. Ela conta que já fez isso algumas vezes e gerou o rompimento de vários relacionamentos.

Um estudo de 2012 da Universidade de Zurique, na Suíça, também descobriu que a risada é frequentemente usada pelas pessoas psicopatas como instrumento intencionalmente manipulador. Ela as ajuda, por exemplo, a controlar a conversa. Ou, às vezes, a rir da pessoa com quem estão falando - e não com ela.

Thomas afirma que seu agente a instrui a não usar a palavra "manipuladora" quando falar sobre si mesma, mas sim dizer que sabia como influenciar as pessoas desde a infância. Mas "manipuladora" é a palavra que ela usa. Ela afirma que essa qualidade a ajudou a tornar-se uma boa advogada, que ainda é a sua profissão.

Quando ela fala, as pessoas não conseguem identificar seu sotaque. Elas acham que Thomas pode ser de Israel ou da Europa oriental, embora ela tenha vivido toda a sua vida na Califórnia.

"Você tem sotaque quando se socializa para ter identidade. Eu nunca tive identidade", ela conta. "Tenho um sentido muito fraco de mim mesma."

Possíveis benefícios?

No seu blog, M.E. Thomas compartilha seus pensamentos diários e entrevista outras pessoas que vivem com características psicopatas. Ela conta que muitos dos seus leitores encontram refúgio nas suas postagens e vídeos, pois é um lugar onde elas reconhecem seus próprios padrões e compartilham experiências sem que sejam julgadas por isso.

Observar a psicopatia como um espectro pode significar que as características que a
definem são muito mais comuns entre a população em geral do que o indicado pela
maioria dos estudos — Foto: SOMSARA RIELLY

Uma de suas leitoras é Alice, uma mulher alemã de 27 anos de idade. Ela afirma que é frustrante ler artigos ou assistir a ilustrações de pessoas com psicopatia como indivíduos maldosos que precisam ser evitados. "Nós existimos em uma escala, como todos os demais", afirma ela.

Como Thomas, Alice é agradável à primeira vista, talvez porque ela sorri muito. Ela admite desde o início que está imitando o que ela sabe ser socialmente adequado.

Alice vem fazendo isso por toda a vida. Quando sua avó morreu, ela observou o luto da sua irmã e copiou seu comportamento.

Ela afirma que também finge ser sarcástica, pois isso permite que ela diga impunemente o que tem na mente, sem causar alarme.

Alice aprendeu isso já aos 12 anos de idade, quando estava de férias em um navio e se perguntou em voz alta como seria observar as pessoas afundarem em caso de acidente. A reação dos seus pais e amigos a ensinou que era importante enquadrar esse tipo de pensamento como humor ácido e não como um pensamento obscuro.

Embora Thomas descreva sua característica psicopata dominante como manipulação e Victoria afirme que sua marca é a indiferença, Alice aponta sua falta de empatia como sua característica mais evidente.

"Não tenho nenhuma empatia emocional, mas tenho muita empatia cognitiva", afirma ela, com sorriso inabalável. "Se alguém se machucar, por exemplo, ferir o joelho ou quebrar um braço, posso não sentir nada por eles emocionalmente, mas sei que preciso conseguir ajuda e assim o faço."

E isso, segundo ela, faz com que ela seja uma boa pessoa para ter por perto em situações de emergência.

"As pessoas me contam seus problemas e não fico ofuscada pelas emoções, de forma que aquilo não me afeta e posso ouvi-las e oferecer conselhos racionais", ela conta. "Outras pessoas podem querer se distanciar porque aquilo aciona suas próprias emoções, mas isso não acontece comigo."

Alice não é a única que acredita que suas características podem ser benéficas para a sociedade. Os traços "positivos" da psicopatia são explorados pelo psicólogo Kevin Dutton, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, no seu livro A Sabedoria dos Psicopatas: O que Santos, Espiões e Serial Killers Podem nos Ensinar sobre o Sucesso (Ed. Record, 2018).

Em 2011, Dutton conduziu uma pesquisa no Reino Unido intitulada "A Grande Pesquisa sobre os Psicopatas Britânicos". As profissões onde as pessoas mais exibiam características psicopatas foram os altos executivos, jornalistas, policiais, militares, cirurgiões e advogados.

Dutton argumenta que certas características de personalidade do espectro psicopata - incluindo a frieza sob pressão e reações menos empáticas às interações interpessoais - podem ajudar as pessoas a realizar seu trabalho sem que sejam, como diria Alice, "ofuscadas".

É preciso apoio e desmistificação

"Todos conhecemos alguém com características psicopatas", afirma Marsh, que é uma das fundadoras da organização Psycopathy Is. Ela oferece uma das poucas plataformas online que fornecem apoio para psicopatas e pessoas próximas.

Marsh afirma que seu objetivo é desmistificar a psicopatia e fornecer ferramentas de seleção para que as próprias pessoas possam se avaliar, com instrumentos confiáveis, e conseguir boas informações sobre o que fazer em seguida.

"A psicopatia não é uma categoria, é um espectro", afirma ela. "Ela é distribuída entre a população em graus variáveis. Algumas pessoas causam destruição contínua e outras precisam apenas administrar os seus sintomas."

"Quando não discutimos isso abertamente, as pessoas se lembram de Ted Bundy e Hannibal Lecter [assassinos em série - o primeiro, real, e o segundo, da ficção]", afirma ele. "E então vemos tendências do TikTok preenchendo a lacuna de informações de especialistas."

Muitos especialistas, incluindo Marsh, acreditam que está na hora de desfazer os mitos e o estigma que envolvem a psicopatia.

As causas subjacentes da psicopatia ainda são mal compreendidas, embora cada vez mais pesquisas de imagens neurológicas venham ajudando a indicar algumas das possíveis anormalidades do cérebro que podem explicar os sintomas.

Pesquisas indicam, por exemplo, que homens com psicopatia possuem reação reduzida em regiões do cérebro relacionadas ao processamento do medo e que existem indicações de que efeitos similares podem ser encontrados nas mulheres.

Alguns pesquisadores também indicaram diferenças no circuito neural das amígdalas cerebelosas, uma estrutura importante do cérebro responsável pelo processamento das emoções. Mas, como a maior parte das pesquisas sobre psicopatia, essas conclusões estão longe de ser consistentes e ainda precisam ser mais estudadas.

A genética e o ambiente das pessoas também são peças importantes do quebra-cabeça. Mas Marsh acredita que conseguir essas respostas exigirá que a sociedade como um todo desenvolva uma relação mais madura com a psicopatia.

"Eu realmente admiro o que a comunidade de pesquisa sobre o autismo fez nos anos 1990", afirma ela. "Eles decidiram se libertar do estigma, dizendo às pessoas a verdade sobre a condição. Que é um distúrbio de espectro."

"Nós, como pesquisadores de psicopatia, precisamos definir uma abordagem para realmente nos atirarmos ao desenvolvimento de melhores intervenções que possam ajudar as pessoas com psicopatia a viver vidas produtivas e prósperas", defende Marsh.

Mas ela acrescenta que, até que isso aconteça, estamos fracassando com as pessoas com psicopatia.

"Isso significa que as pessoas - pessoas com o distúrbio, seus amigos e sua família - não estão conseguindo o apoio de que precisam", afirma ela. "E isso prejudica a todos."

Victoria, Alice e M. E. Thomas usam a meditação, terapia psicológica e apoio de colegas da sua comunidade online para ajudar a controlar o seu distúrbio.

"Não estar nas sombras ajuda", afirma Thomas. "Mas ainda existe um estigma para a palavra 'psicopata'. Ainda há muito trabalho a fazer e é preciso ter muitas conversas mais abertas. A realidade é que nós existimos."

Características da psicopatia

Segundo o site PsychopathyIs.org (que teve como uma de suas criadoras a psicóloga e neurocientista Abigail Marsh, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos), estas são algumas das principais características que se manifestam em casos extremos de psicopatia:

  • Abordagem egoísta e indiferente aos relacionamentos interpessoais.
  • Falta de empatia sobre o sofrimento ou angústias dos demais.
  • Falta de demonstração de remorso depois de machucar os outros ou desobedecer regras.
  • Pouco sentido de identidade consigo próprio.
  • Manipulação das pessoas para conseguir as coisas.
  • Dedicação a atividades perigosas ou arriscadas.
  • Charme superficial.

Megha Mohan é jornalista especializada em gênero e identidade, da BBC.

Essa reportagem foi originalmente publicada em http://news.bbc.co.uk/1/hi/63732969.stm